STJ julga pela possibilidade de sócio retirar-se imotivadamente de sociedade limitada

- Renan Palhares Torreão Braz, Gabriel Estevam Botelho Cardoso em Direito Empresarial e Societário

Em recente julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do REsp 1.839.078/SP, definiu-se a possibilidade do sócio de sociedade limitada exercer o direito de retirada imotivada, ainda que a sociedade tenha adotado as normas das sociedades anônimas (Lei n. 6.404/76) como regência legal supletiva. A matéria enfrentada pela Corte é objeto de grande discussão doutrinária.

Tendo em vista que a única disposição expressa sobre o direito de retirada do sócio no Capítulo IV do Subtítulo II do Código Civil, pertinente às sociedades limitadas, o art. 1.077[1], está restrita às hipóteses de modificação do contrato, de fusão da sociedade e de incorporação, isto é, à retirada motivada por ao menos uma de tais circunstâncias, discutia-se o cabimento do direito de retirada imotivada no contexto de uma sociedade limitada, a exemplo daquele previsto pelo art. 1.029 do Código Civil[2] no capítulo das sociedades simples.

Outro fator considerado é a possibilidade de eleição pela sociedade limitada tanto das normas das sociedade simples, quanto das sociedades anônimas, para sua regência legal supletiva diante de omissões do referido Capítulo IV, conforme previsto pelo art. 1.053 do Código[3]. Na hipótese, a sociedade era regida supletivamente pela Lei das SA´s (Lei n. 6.404/76), razão pela qual o TJSP julgou a questão pela inaplicabilidade do art. 1.029, ou seja, do direito de retirada imotivada trazido pelo regramento das sociedades simples.

No âmbito do STJ, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino pontuou que o art. 1.029, conquanto inserido no capítulo relativo às sociedades simples, é perfeitamente aplicável às sociedades limitadas, nos termos da jurisprudência da Corte Superior.

Com relação à regência supletiva da Lei n. 6.404/76, o relator consignou que o direito fundamental de não associação, previsto pelo Art. 5º, XX, da Constituição Federal[4], aliado à ausência de previsão específica para a hipótese de retirada imotivada na Lei n. 6.404/76, embasam a aplicação do art. 1.029 também para tais sociedades.

A controvérsia polariza, em essência, a liberdade individual de o sócio não permanecer associado contra a sua vontade – por exemplo, diante de uma quebra de affectio societatis – frente à saúde financeira das sociedades, que podem ser oneradas a qualquer tempo com descapitalizações decorrentes de eventuais apurações de haveres dos sócios retirantes que poderiam, alternativamente, ceder suas quotas, a depender das circunstâncias.

Diante do julgamento do STJ, o tema recebe um norte que tende a balizar a conduta de empresários que se encontrem em situação semelhante. De todo modo, o planejamento antecipado por meio de instrumentos contratuais próprios segue sendo a principal medida, de natureza preventiva, voltada à atribuição de maior segurança jurídica às relações futuras, seja entre os sócios, seja entre eles e a sociedade.

[1] Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

[2] Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

[3] Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

[4] Art. 5º, XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

 

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